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Primeiro livro de Cláudia Brino

escrito dos 8 aos 15 anos

publicado em 1995




edição esgotada











Amorfo
Nasceu do ovário
uma criança que ainda não foi fecundada.
Saiu do útero a vontade de fecundar.
E o que veio ao mundo
não tem forma.
Ninguém sabe se respira.
Nasceu órfão.
Não é líquido e nem sólido.
Pegajoso também não é.
Não tem olhos – talvez não tenha rosto.
Não cheira nem chora.
No peito traz uma pedra.
Não é uma “coisa” mas também
não é gente.
Não sabe se vive ou se é sobrevivente.
Pode ser artista ou poeta.
Cromossomos a mais ou a menos?
Sabe-se que é insolúvel.
E pode modificar o mundo
com sua etiqueta onde está
escrito “STOP”.

Parto

Os olhos amanhecidos com gotas cristalinas.
Os lábios arroxeados de forma fúnebre.
Os lençóis na janela como cortina.
Existe algo de inimigo no ar.
Um tirano junto a nós.
E a respiração será que ainda vive?
Pesadas defuntas e moribundas senhoras
estão lá para ver o teu fim.
Os cavalheiros de cavalos alados
galopam pelo seio da virgem
com o sexo de criança.
Escorregam pelo limo de tuas orelhas.
Apontam com os dedos
o silêncio do oceano.
E o pulso como está? Está quebrado.
Coloquemos a atadura.
Os dentes amarelados e manchados de batom
engolindo a noite e despindo a aurora.
Pacientemente o inimigo espera.
- Cuidado, ele pode salvar-te.
O corpo úmido e frio
aquece as unhas sujas do soldado.
Nas raízes do ventre o luto está sendo gerado
para um parto normal.
  
Anamorfose

Emoções coaguladas.
Olhos propaganda
na vitrine.
A sombra satisfaz
tocando na luz.
Na rua há um passo
indeciso.

Cidade enfeite.

Observando a chuva
em uma distância oblíqua.
Pousando para o vento.
Notícias de jornais:
quarta-feira é dia de voz.

Absorvendo o frio
o rosto se completa.
Coleção de cores:
nunca é arco-íris.

 Sr. Selvagem                                                                                                          

Imensidão solar.
Gestos intocáveis no reflexo do mar.
O girassol não gira.
Alua iluminou a silhueta do ferro
cruzando-se com o aço.
A massa do cimento
é areia movediça.
Olhos vendados com luzes piscantes.
Vidros rasgados na página do tempo.
Entre a loucura e o paraíso
está o inferno.
Inferno íntimo e abstrato.
O infinito está ali.
Somos o além que está por aí.
A nuvem desenhou uma boca
engolindo cérebros indigentes
O relógio despertou:
os ponteiros não marcavam hora.
Segundos eram os minutos
dos lábios digerindo a língua.
Muralhas separam a vida da sobrevivência.
Talões de cheques compram olhares amorosos.
Músicas sintéticas nas cores de Londres.
- Braços levantados como bússola
para o lado direito: norte, nordeste, leste.
Sr. Selvagem entrou em estado utópico.

Destruição                                                                                                                        

Na moldura de uma escultura
está iniciando o templo obscuro.
                                               O azul do mar é indecifrável:
                                               as ondas são normais.

O INFINITO TEM CONTINUIDADE
                                               PERFEIÇÃO INCERTA

Ficar parada sem pensar:
                                               lógica incansável e decadente.
a  d
      i
       s
         t
           â
            n
              c
                i
                 a  se envolve numa névoa cinzenta.

Um coração de safena separa o nosso
                    A    M    O    R
Pensamentos envolvem o oceano:
virou em raios ultravioletas.

Emergiu das profundezas um titã
               que nos levou ao gozo.
                                            Corri mais do que o dia
                                   para esquecer o dia de ontem.

Ninfose                                                                                                                      

Som do escuro.

A cidade atravessa o corpo
enquanto o objeto é o culpado:
olhar veneziana.

Novamente fica escuro.

Me giro
MEGIRO
ORIGEM

a noite aparece vestida
de flor.

A respiração da sombra
grita nos olhos.

Tato

     quase apagado pelas
         perfeitas
             digitais.

Gravuras

Neblina no copo:
objeto da ausência.

Para desmaiar finja-se
de escuro.
Outubro é um mês
boiando sobre as algas.
O dia estremece sobre o nó.
Lua de pedra na parede luz.

Trouxe um lençol para cobrir o teu rosto.

Falhando a sombra aflita.
Reunindo todos os gestos
para os enxovais.
O para-brisa não limpa
espalha.
Escorregando para dentro dos olhares.
Preenchendo o meio do silêncio.

Imagens eternas dos trapézios
pendurados no vácuo.

8º andar

Criaram o Haraquiri.
Fizeram sobrancelhas em foram de triângulo.
Todos estão dançando vira
em sonância parada.
Vista pornográfica.
Pentes quebrados em cabelos lisos.
Mentiras enfeitam os quintais:
alicerces da casa.

Matem o revolucionário.

A alienação come sal e bebe vento
“tsé-tsés” estão no 8º andar.
Olhem o calendário do ano zero.
Jornais publicam a queda dos seios.
Determinado número elevado ao quadrado
gera impotência.
O sarcófago está com a parede quebrada.
- não entrem:
É o inferno que está lá dentro.

A energia acabou.

Abelhas produzem mel em bocas de caveiras.
Veio uma mão do infinito e abriu a porta:
o 8º andar está aberto.

Evidência

Imagens e atitudes garrafais.

Interrompo a linguagem
para um sono antigo.
Há uma desigualdade
entre os passos:
falsas sombras.
No vácuo do copo e do vidro.

A campainha busca a não-ausência.
Dedos se perdem no escuro
e tornam-se corpos.

Não retorne para os lados
dos gases néon.

Cavernas no rosto.
O animal não move o ego.
Pela sombra só não passa o sol.
Declínios de desejos:
silêncio cru.

Ensaio

A noite extinta
nos utensílios.
O desejo pula o muro
disfarçando-se de sombra.

- o nome não tem identidade.

“Retiro-me”

Abelhas invadem
os gestos do reflexo.
Dia monossílabo:
escândalo enferrujado.
A essência da expressão
é uma feição calada.
O girassol procura a claridade
que o escuro traz.
Pés descem da morte.

Olhos ejaculam o mito da luz na lâmpada:
crença da lua.

Luz apagada

Prenderam a gestação numa garrafa
de vinho francês.
Desenharam a geografia do teu corpo
e esqueceram de cortar o cabelo.
restos de tristezas
vestiam seus uniformes cor de ameixa.

Um grito cortou a faca.

Então bebi álcool
e ingeri várias substâncias:
não sei se morri.

A taça de areia quebrou.
O vento foi construindo formas.
Mãos e janelas rachadas.

Oceanos dão luz a seres gelatinosos:
não é água-viva.
Os dentes se contorcem de alergia.
desintegrou-se o infinito.

A língua do “i"

Impossível, impassível, inacreditável,
incompreensível, inédito, ignorado.
De súbito ninguém entendeu.
Com o tempo, menos ainda.
Instrumentos desafinados.
Metais distorcidos.
Gatos perdidos e narcisos para todos os lados.
Os guerreiros prendem as almas.
Bebem vinho de sangue.
E choram lágrimas amarelas:
gotas em forma de “i”.
Subitamente o súbito apareceu.
Ninguém entendeu.
Nem depois.
Vários sapos pularam a cerca
viraram a esquina e foram embora.
O fogo fugiu do sombrio.
Todas as pessoas foram mortas
e enterradas a 1 cm. abaixo do chão.
Todos fizeram ‘i’.
E as moscas fizeram: Zuuuuuu!

Quadrilátero

Pintem os reflexos no espelho.
Vidros estão crucificados em bocas de veneno.
O rádio anuncia o naufrágio dos bancos.
Paredes de lã e blusas de concreto.
A mudez está quieta.

Na ponta da faca está a morte.
No cabo está a fome.

Determinadas separações não acontecem,
simplesmente ocorrem.
Preparem o forno para queimar a noite.
O tempo está preso numa caixa metálica.
Tenho o instinto da extinção.
Aqui é estrada de pedra.
O sol úmido parece chorar.
E eu estou fumando esperando o inverno
para me aquecer.

(Res)piração

O rosto está grudado nas grades da janela.
O coração estático bate freneticamente
ao som do desespero.
A respiração mostrava a ideia perdida.

De repente surgiu o alívio imediato:
Garganta imortal.
Revolução cósmica
contra a rebelião dos átomos.

O pé sujo de lama sangrou com a dor
de um inocente.
Explicação da natureza morta:
não existe copo de água.

O sujeito da frase é o óbvio.

Do outro lado da avenida é sombra.
No escuro não há fundo.
A lágrima ficou sólida
ao se olhar no espelho.
O dia simplesmente passou pela retina
e virou rotina.

Vozes e ecos reduzem o ouro em pó.

Gnoma-provérbio

Eu passo só passando com um refrão.
A chuva pode falhar
e secar espelhos.
Já é tarde o dia:
se feriram nos plásticos.

O transparente e o invisível
sempre dão o mesmo sinal:

Aqui é escuro e lá fora é o mesmo.
Não é raio laser é fora de forma.

Se viro para o lado é apenas mais um gesto.
Atrás dos degraus há uma queda.
No fim dos olhos você enxergou o túnel:
o escuro nega.

O sol está limpo:
antisséptico.
No fim do túnel
você enxergou o escuro.
- a luz cega.

Há um espaço em branco na linha do parágrafo.
Cabines de televisão e cabines telefônicas
apresentam o próximo programa:
“a outra fase do Super-Homem”.

De leve vou ficando.
Só nos dois sabemos o que acontece atrás da janela.

Oblíquo

A distância cai como um lençol
esticado no varal.
Frutas em forma de caracóis
enfeitam o porto.
Lembranças estão empoeiradas:
Passem um pano e está tudo limpo.
Um silêncio quadrado
passou pela fresta da porta
e pulou a janela.
Oceano e suas sereias:
gestação aguda.

Apito sem som.

Eu examino o submerso dos teus olhos
em busca de telegramas.
Umidade medida: zero grau.

Repolhos estão em delírios.

O que estava seca era a morte.

Esplim

A cor é muda.
E o sol não se pronunciou.
- traje de luz.

Os movimentos já conhecem o reflexo.
Já está construída a máquina da ilusão.
Locomovendo o corpo
a sombra deixa sua mensagem vice-versa.

Olhar guerreiro.

Durante a queda não há instante.
Vidro pendurado na parede.
A claridade já não se esconde
em qualquer canto.

Fotografar a imagem
atrasada do espelho.

O dedo em estado de mímica
rascunha as formas.

Suspensóide

“goles de abismo”
VOCÊ avançou
                               O TEMOR
                                                           invertido
GOZO DE DEUS.

O corpo é uma massa
que não se move.
Uma idéia se reflete
no espelho
A parte inferior dos olhos
é o vácuo.
Buscando com os dedos
a luz se apaga.

A aparência do sol
é azul.
- filme queimado.

Minhas palavras são de vitrais.

Chusma

Não coloquem os dedos ali.
Lugar absinto e filas de chiclete.
O que é claro estraga a antena.
Luzes de cartazes no escuro.
Recolho pedaços de alguém:
reconheço as lágrimas.
Riscos passaram na minha frente.
Os sinais estão com placas fechadas.
- comecem a ver navios.
Dor da cor dos cabelos.
Estrutura plástica em nuvem de néon.
Agonia no solo.
O homem ao lado engoliu a programação
e ficou parado assistindo o reclame.

O negativo queimou porque ninguém contou até dez.

O vento passou pela cicatriz
quando a surpresa começava a limpar os óculos.
A princípio mas há muito tempo
surgiu uma evolução em miopia.

Restou uma luz embaixo da porta.
Abriram-se as mãos e depararam-se com o escuro.
Abre-se um céu límpido.
Não te liguei mas quero te ver.
Daqui a pouco chove e voltam a reprisar
os mesmos movimentos.

Vezo

Treinando os gestos.

A lágrima desmaia
na criança-nuvem.
- Sombra rodando.

O sol é uma cor de vermelho
                                   simples.
Dedos descem sobre o dia
tecido pela aranha.
Se o grito sair
mancha o espelho tatuado.

- O reflexo está com febre.
Corra para ouvir a luz chegar:
imagem sem cor.

De um canto para outro
                        nota-se     que
o ser é um não-objeto
                        que
circula em fuso horário.

Liquidificador

Jogo de dados e números invertidos.
No meio das sombras um rio de inverno
passa por entre as paredes.
Atrás da cortina sempre há alguém
esperando pelo beijo.
Tudo cai sobre o rosto de plástico.

Mãos ocultas soam o alarme.

O limo entre os dedos
indicou a data do calendário.

Foco de luz sem explicação.

Um raio reflete o rosto no espelho.
A pintura é feita a óleo de disfarce.
Folhas mortas passam por nós.
A tarde ficou esperando o seu chamado:
o relógio não toca.

Elétrons

O barulho atrás da janela assustou-me
- confundo-me.
Os cães latem. Eu não me mexo.
Os cantos da casa cheiram a mofo:
apenas detalhes.
Os risos na esquina são à toa.
O escuro é o mesmo
e as formas não estão lá.
Anteontem o futuro parecia
ser mais claro:
interruptor desligado.
As coisas perfeitas só acontecem
quando corremos dentro de um quadrado.

Digito os dedos na tecla
e logo vejo letras.

Não me estranho
com esse cais de âncoras.
Cutuco nos seus olhos de plástico
e vejo lágrimas.
Desejam tentam se perder
entre as pernas pardas.

E mais uma vez os lábios
pedem o bis do refrão.

Pinceis

O som atrás daquela porta é suave.

Pés passaram pelos vidros da cidade.
Palmas ecoaram por todos os ouvidos.
Eu olhava uma bailarina
e caí no abismo.

A luz sobre o claro não teve solução.
Os dedos se mexem em frente aos meus olhos.
Tudo passou despercebido pelos jardins
enquanto o resto se quebrava.
As coisas invisíveis estão ali naquela direção.
As formas desaparecem quando nos olhamos
e vemos algo mais.
Todas as vezes parecem iguais
quando o ponteiro não anda.
Tudo está sobre o chão e cantos:
mistura de cores e sombras.

Nada passou pela fechadura à procura de beijos.

Dois espaços foram feitos apenas por um lado.
Atrás da cortina pode haver espelhos.
Moscas zumbiam sobre as pernas na avenida:
                                   cartão postal.

Metrô

Pálidos dedos em movimentos diferentes
circularam a circunferência dos lares.
Loteria compra cobertura na favela.
Gosto do escuro quando a luz está acesa.
Acordo às três da manhã
para saber de onde vem a diferença.
Misturei o sonho com a realidade:
o peixe sobreviveu fora do aquário.
Não te beijei por maldade
só precisava de alguém.
Para limpar a boca usei detergente.
Quero paz no inferno.

Metrô Metrópole. Começo da linha.

Quero paz no inferno.
Para limpar a boca usei detergente.
Precisava de alguém:
Só não te beijei por maldade.
Quando a luz está acesa gosto do escuro.

Metrópole Metrô. No meio da linha.

Ouvi no volume máximo
o irritante barulho do relógio.
Pintei a flor para não te esquecer.
Não sei como você é.

Fim do Metrô Metrópole.

Sombras torturosas

O inimigo está no ar.
Fiquei esperando o inverno chegar.
Singularmente melancólico:
é apenas um retrocesso.
Lábios jogavam beijos
que não passavam pelo meu rosto.
O corpo é apenas um corpo sem forma.
Na sala as flores morreram e o telefone não toca.
Apertei o botão e esperei timidamente
o seu sorriso de plástico.

- Alguma coisa muda.

A sílaba desfeita modificou a palavra.
Caminhos disfarçados brilham no escuro.
Caí no chão e não pude fazer nada.
A noite chovia e o céu negro era meu retrato.
Pés caminhavam na mesma direção.
Guarda-chuvas atrapalhavam a elegância.
Atitudes sincronizadas.
Nem um nervo a mais se mexe.
Estátuas e tatuagens:
O colorido não brilha. Empalidece.
Giro a roleta.
Busco a saída e porta está fechada.
Equilibro o meu corpo em cima dos meus pés:
impossível que a janela não abra.

Prótese

Dentaduras plásticas.
Quando morri senti os vermes
comendo minha pele e então voltei.
No céu passou um pássaro sem asas.
O tédio está deitado na cama
fazendo gracinhas.

Improvisem cadeados para fechar o regulamento.
Bocas estão falando de diferenças.

Atitude em forma homogênea.

Espelhos estão dentro dos olhos
que estão dentro dos espelhos.

O copo dentro da pia rachou.
O abismo preparou sua armadilha.
Anjos sem nome procuram a extensa solidão.
Prazer preso em bolhas de sabão.
Mulher crua de pernas nuas
abre-se para mim.

Não se encontram mais camas sujas
de sangue e esperma.
Vestígios molhados num repouso nutrido.

Camisa de força no meu corpo:
não sou louca,
sou a unha que precisa ser cortada.

X – que se funda o processo da fotografia através de corpos opacos

A água desceu estranha.
Chego mais perto para ouvir uma música:
saída à francesa sobre a mesa.
Não importa o atraso,
o importante é que você veio.
Ouça o espirro no fim do mundo, no fundo.

Autópsia no afogado.
Outra vez os mesmos cortes.

Tudo ficou de cabeça para baixo a rodar.
Não há ninguém tocando a campainha.
Ainda não lavei o rosto
e se estou acordada não sei.

Qual a diferença entre os dois lados.
O que é que acontece: mediato.
Parecia ser solidão o que estava errado.

No mais desatino e desafino
eu estar aqui e ali ao mesmo tempo
e no mesmo lugar.
Entre um rascunho e um abstrato.

Paredes verdes

A mão descobriu o rosto
e os olhos caíram no espaço.
No mundo amortecido nascem mentes
em estados inconscientes.
Em determinado momento o instinto
transpassou a razão.
Mãos aflitas apertaram o botão da campainha:
o infinito está morrendo. Ficou irreconhecível.
Esclareceram a hipótese de uma geração.
A gestação misturou-se
com os arranha-céus da cidade.

Propaguem a propaganda problemática e arrogante.

Mulheres estão ao mais longo beijo
e ao mais curto abraço.
Calaram o nome do indigente
que escreveu a frase da linha cruzada.
Difamação aplaudida: apogeu.

Estou andando.
As pessoas sorriem. Porém disfarço.

Entre quatro paredes e um chão
não existe nenhuma saída.
Rangem os dentes. Coração para. Garganta seca.

Estilo

Há um silêncio nos olhos.
Produzindo movimentos escuros
a luz se prende no espelho.

Quebrando a viagem:
a imagem dói.

Dupla sombra
de pétalas vazias.
Oriente a dor
para a pausa musical.
- Não se afaste dali:
depois é só um passo.

Um gesto de delírio
na vertigem negra.

Fotografando os pólos
na curva do sol.

Janelas opostas refletem
a claridade da manhã.

Brevidade

O silêncio espera. Silêncio na terra.
Minhas mãos estão dormindo profundamente.
Não há mais tempo.
Homem cósmico: espelho no deserto.
O escuro saiu da solidão e criou um labirinto.
O muro não foi destruído.
Quando a sombra existir
o sol não surgirá.

Silêncio na terra. O silêncio espera. A chuva não para.

Não há mais tempo.
O espelho mostra o verme:
a bela e a fera.
Solidões verdes e amarelas.
A chuva não para. Silêncio na terra. O silêncio espera.
Minhas mãos dormem profundamente.
Nada, o espelho revela.
Guerra. O verme entre a bela e a fera.

Alguém viveu por um segundo e não percebeu.
- ninguém viveu.

Onda sonora

Não participe do silêncio.

Um curto espaço de tempo
é um sentido.
Companhia de espelhos.
Produzindo o ar do vácuo.

Ainda não tremo.
Uma fúria preenche o buraco:
margem do seio.
Negando o bis do abismo.
A morte procura o sono.
Corpos se distraem na luz.

Caricaturas de árvores.

Refilmagem

O dedo escreve no pó.
Um clássico movimento
atravessa a rua.
Uma flor se declina para o sul.
Iluminando os olhos.
Uma insônia se perde nos gestos.

Olhar seminu.

Te peguei com a palavra em flagrante.

Um ar fresco se enrola no cabelo.
O sonho bóia na mão.

Embrulhe a lágrima para presente.

Luz

O corpo está curvado diante do outro.

O espaço era pequeno para se poder ficar minerva

Tudo parece escuro quando fechamos os olhos:
cores confundem os brilhos.

Do fundo pode-se ver mais um buraco.
A noite nos persegue por dois segundos
e se transforma em madrugada.
O tombo entre os dedos
surgiu para criar cenas repetidas.
O papel em preto e branco não é fotografia.

Tudo está ficando de lado cobrindo os olhos:
escuro da lâmpada.

A claridade sobre mim era algo sem forma.
A verdade que chegou atrasada
bateu com a testa ali.
Aqui está tudo limpo e tudo longe.
Apagaram a luz e o sol ainda não apareceu.

Tela plana

Aconteceram momentos de simples gestos.
Atravessei correndo a paisagem da fotografia
esperando eliminar os sorrisos falsos.
Formas nominais: particípio.
Só passaram a trocar canais quando os números
estavam ficando irreconhecíveis.
A cena não mudou.
Olhe nas luzes que as maquilagens são iguais.

Apresse o passo.
O beijo que te dei
foi o último depois do café.

A lágrima se esparrama sobre uma tira de jornal:
identidade
Rotina e retina empoeirada,
colírio não adianta.
O rosto que aparece na tela
é apenas uma foto com um fato.
Cálculos de hipotenusas e torturas chinesas.

A cortina nunca tapou nada.
Só escureceu os olhos de quem queria ler no escuro.

Deram o sinal. Ponto errado:
outro canal.
Quem pagou a passagem?

Walls have ears

Nem sempre é possível distinguir
o som do tiro com o da batida.
A visão passa por detrás da retina.

Varizes e meias de seda passam pela rua.
Há um olho nu na frente do espelho.
Se as coisas são claras
por detrás delas existem sombras.
Não sinto vontade de falar:
o silêncio não incomoda.

Nada mudou depois que fecharam as cortinas.

Os movimentos ficaram perdidos no ar.
Um sorriso indiferente feriu os lábios.
Lá fora há um silêncio estranho:
                        um olho diante da luz.

Significado e significante
- vida.

Na parede passa uma lesma
que se
            arrasta
                        arranha
                                       r
                                      i
                                        s
                                           c
                                              a.

Título algum

Resistindo ao acento.
Não é possível brilhar
na luz.
Na tela há óculos
eternos.
Falhando os gestos
no reflexo:
percebendo as coisas ao vivo.

O seu pensamento
ficou.

Vitrines vivas
sobrevivem.
Sol torto nos cacos
da janela

Imagem de violino.
Sonhos dançam
nos gestos noturnos.
Nada de fantasias retocadas.

Kilometragem

Eu não irei a lugar nenhum
e nem a minha sombra.
O olho escuro fica diante da luz.
À primeira vista tudo parece estar perto.
Não sei se eles existiram
ou se foi uma miragem dos meus óculos.
Fiquei olhando os carros passarem pela avenida.

Cheguei a achar gozado o silêncio do seu desejo.

Reduzi minha expressão no teu olhar
tela de ilusões.
Como ontem a rua estava com todos
os seus gestos.
Pessoas em frente à vitrine
prestavam atenção no outro lado.
Vagamente a morte entrou na imaginação.
Sobre o retrato vi uma cidade em chamas.
Lábios decassílabos correspondiam
com sorrisos.
                                                       
Espaço

Me aproximo e me afasto do vácuo.
Os olhos vão pintando as horas:
amanhã será um dia oco.
Uma imagem desce pelo espelho.

Um grito seco quebra o silêncio
e fica boiando na madrugada.
Algo ficou perdido:
rosto e vidro.
A luz está vazia e fria.
Quartos cheios de perguntas
libertam-se do tempo.
Uma fita métrica mede os minutos.

Um gesto exposto composto esquecido.

O lábio aflito repete
que o dia é o mesmo ritmo seco.
A cidade passa pela janela.
Mulheres contam as horas perdidas.
Uma voz se perde no eco.

Imagens e sons ficam paralisados.

Reflexo do som

O tempo está distante de tudo.
A insatisfação se voltou contra mim
com o seu preço.
Vista parada:
foto suicídio.

Quero uma máquina fotográfica.
Acostumei a receber recibos
na troca de beijos.

- Nada de sol

Não deito de costas
pois quero decifrar o teu sorriso.
Sono dos olhos.
No esquecimento não te coloquei a cor.
Vestindo o vento perdido no ar.

O copo e o espelho são coisas.
Título absoluto.

Óbvio

Pés passaram pelo degrau
de gesso.
Pelo olho mágico
vejo o mundo fora de órbita.
Não se acostume
com a forma do espelho.

Na geografia do olhar
um rosto se esquece.

Aquecendo os girassóis
nos dedos.

Há um corpo nu
no ventre do inverno.
As pessoas são:
nada muda o verbo.

Rimando o som
o vento passa pela porta.
No vácuo da palavra
o silêncio chove.

Pousio

Tudo passou despindo a face.
Os passos na rua são apenas passos.
Há um silêncio único
na reconstrução da imagem.
Todas as coisas parecem pequenas
quando estão longe dos olhos.

Corpos se atravessam.
Eu vejo riscos
passarem na minha frente:
pessoas e fotografias.

Rotina da retina invertida.

A sombra não aparecerá
e a noite simplesmente chega.
Eu me mergulhava no sono
de um café da manhã e transportei-me
diretamente para o medo.

Sustentaram um reflexo
com uma folha de jornal.
Nada acontecerá antes do pôr-do-sol:
nem o pôr-do-sol.

No espelho apareceu a imagem do susto.

MUSEU DE PLÁSTICO

Debuxo

Não há conto e nada move.
Pela rua as vitrines passam na passarela.
Encontramos um conjunto de nus.
Habla de uma mentira envidraçada.
Novamente o susto de cores.
Torcendo as luzes com a unha
para matar os insetos.
Calçadas ambulantes
e postes sem vida.
Um corpo sobre a sombra
sobe a rua principal de lugar algum
gritando a forma para se ajustar na tela.
Não busque! Ache!
            tomando todo o cuidado
para aprender a prender.
Colaborando com  a ausência
deixada no espelho.
Formas neutras não existem.
Todo o lado é um positivo desnutrido.
            Calma!
                  e logo saberá uivar na lâmpada.

Felá

Através do vento
o grito passa.
- Há um vazio esbarrando no espelho.

Átomos de adrenalina
buscam a mesma posição.

Camelô vende talismãs zodiacais.

            “Olhar morto”

O amor ficou enrolado no beijo.
Terminando com “e”
constitui-se a frase.
O riso passa vestido de lágrima.
Lentamente despiam a manhã.
                                   Gestos procuram orgasmos.

O protetor da lua

Pedras.
É pelas pedras que ele vai
Trajando o sol
Chapéu escuro
Falas de pirilampos.
(O morro é logo ali)
Inutilmente o brilho
está jogado no chão.
Azul! A luz era.

A palavra traço

O sorriso ficou esperando alguém no asfalto.
Dedos ficaram parados
cutucando a ferida.
Um desenho meu com traços teus.

Na falta de cores utilizei sombras
para fazer o brilho do sol.

O pensamento envolveu-se
numa concentração alucinada:
labirinto de desejo.
A beleza ficou inacabada.
”desejo oral”
Sustentando a tela só com traços.

Fotosombra

O medo é a lucidez dos vidros.
Olhar sem resumo.
Pés andam no dia quebrado.
Os gestos se confundem no brilho.
A dor chega mastigando.

Silêncio vivo:
girassóis na estrada.

Os dedos naufragam nos sentidos.
Pintura dos astros.

Acordando os movimentos
o vento passa.
- a sombra tem fundo:
fundo do índigo.
A forma da ilusão.

Diante do olhar o reflexo
do vácuo.
                        Espelhos caracóis.

Foto instantânea

Astros teatrais.
Tonalidade sobreposta.

O hoje já é o antigamente.
Vestígios debilmente morais.

/ ESPELHO SEM NOME /
            objeto empoeirado.

Silêncio úmido.

Substituição precipitada:
eco de palavras.
Exalando a poesia em forma de ervilha.

O desejo ainda não chegou.

O dia nasceu desesperado
preso em girassóis.
Uma frase rompeu o silêncio
e tornou-se uma equação.
Olhos tombaram num grito mudo:
pintei a moldura com um reflexo da sombra.

Batologia

A noite é clara.

Meio copo não salva
ninguém.
Corpos mentem.

Há dentro do escuro
um riso fechado.

Vento esfria moléculas.

Aparece um som
na rua:
não são de passos.

O susto para o ar.

Espelhos gestuais

Mais um escuro dentro das formas.
Eu tinha imaginado algo:
O negativo das ilusões.

faltam
a     a
d      t
a      a
sábias

Pessoas olham a demora do fato.
Sempre há passos.
Estrada errada:
setas sem comunicação.
Não faça trocas.
As últimas palavras
sempre dão sono.
Dissolvendo o sorriso
em copo de plástico.

            O fim é uma porta que não                                                          
                        abre
            latas de tinta lembram
            arco-íris:
infinito pintado.